Saulo - Paulo, O Apóstolo
Paulo, o apóstolo
Jornal Mundo Espírita,Setembro de 2000.
Foi
em Tarso, na Cilícia, um importante centro mercantil e intelectual do
mundo romano que nasceu entre os anos 5 e 10 da Era Cristã, uma criança
que recebeu o nome de Saulo. Seus pais, embora judeus, gozavam dos
privilégios da cidadania romana. Privilégios que podiam ser conseguidos
pelos habitantes das províncias de duas formas: como recompensa por
serviços prestados ou pelo desembolso de vultuosa quantia. Nos primeiros
anos, ele freqüentou a Sinagoga onde aprendeu nos textos sagrados até a
aritmética. Um escravo o acompanhava todos os dias, carregando-lhe a
pasta com os utensílios escolares. Sentado ao chão, com as pernas
cruzadas, o menino Saulo ensaiou as primeiras letras, gravando-as com um
estilete de ferro sobre uma tabuinha coberta com uma camada de cera.
Como a tradição prescrevia ensinar um trabalho útil às crianças, Saulo
aprendeu a tecer pano de barraca, usando uma fazenda áspera e durável,
entremeado com pelos de cabra. Adolescente ainda seguiu para Jerusalém,
onde se tornou discípulo do grande Gamaliel, no Templo de Salomão,
preparando-se para ser um devoto rabino. Ele mesmo na Epístola aos
Gálatas afirma: "... e me avantajava no judaísmo sobre muitos da minha
idade e linhagem , pelo extremo zelo às tradições de meus pais."
Ardoroso defensor de Moisés, Saulo desencadeou séria perseguição aos
homens do Caminho. E considerou seu primeiro grande triunfo contra o
Nazareno a lapidação do jovem Estêvão. Emmanuel descreve na obra "Paulo e
Estêvão", em detalhes, toda sua dor e vergonha, ao se dar conta que
Estêvão não era outro senão o irmão da sua amada noiva Abigail, que
viria a morrer 8 meses depois. É, no entanto, a caminho de Damasco, na
Síria, levando cartas que lhe autorizavam a prender outros tantos
seguidores de Jesus, que Saulo foi surpreendido, em pleno meio-dia, pela
luz imensa daquele a quem perseguia. "Saulo, Saulo, por que me
persegues? ", diz-lhe a voz. Nas entrelinhas, pode-se ler: "Por que,
Saulo, se és o vaso escolhido para levar a minha palavra a todas as
gentes?" Tendo vislumbrado a luz, ele se ergue da areia entrou na cidade
e aguardando, sem comer ou beber, orando e meditando . Ao terceiro
dia, o Senhor mandou a certo judeu convertido, chamado Ananias, que
fosse ter com Paulo e impor-lhe as mãos para recobrar a vista. O Senhor
garantiu a Ananias, o qual tinha receio de encontrar-se com o grande
perseguidor, que este, quando em oração, já o tinha visto aproximar-se
dele. Portanto, Ananias obedeceu. Paulo confessou a sua fé em Jesus,
recobrou a vista, e recebeu o batismo; e daqui em diante, com a energia
que o caracterizava, e com grande espanto dos judeus, começou a pregar
nas sinagogas que Jesus era o Cristo, Filho de Deus vivo, 9 10-22. Tal é
a narrativa da conversão de Saulo de Tarso.Começou para Saulo a
jornada de trabalho e o calvário das dores. Após o exílio de 3 anos, no
deserto de Dan, ele retornou para pregar a Boa Nova. Aquele Jesus a
quem tanto perseguira na pessoa dos seus seguidores, tornou-se seu
Senhor. Quando empreendeu a viagem a Damasco ele era o orgulhoso Saulo,
cujo nome significa aquele a quem se pede, solicita algo, orgulhoso.
Ao se erguer, após a queda do cavalo e a visão extraordinária do
Cristo, ele se ergueu transformado. Era o escravo. "Que queres que eu
faça, Senhor?", é o que roga. Por isso mesmo, haveria de trocar seu
nome para Paulo, posteriormente, que significa modesto, pequeno,
humilde. Pode-se dividir o seu apostolado em três grandes viagens. Na
primeira, partindo de Antioquia com Barnabé e Marcos, foi à ilha de
Chipre, depois à Panfília e à Pisídia. Deixou núcleos implantados em
Perge, Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derme, retornando a
Jerusalém. Na segunda grande viagem, em companhia de Silas e Timóteo,
atravessou a pé toda a Ásia menor, e , com Lucas chegou até a
Macedônia. As pequenas igrejas foram se formando em Filipes,
Tessalônica, Beréia. Ele chegou até a Grécia. Na primavera de 53, saiu
de Corinto, voltou a Jerusalém e Antioquia. Na terceira viagem
percorreu a Frígia e a Galácia. Permaneceu dois anos em Éfeso, depois
regressou à Macedônia e Corinto. Retornando a Jerusalém foi preso,
remetido a Cesaréia e, apelando para César, chegou a Roma, depois de um
naufrágio na ilha de Malta. Estima-se que ele tenha percorrido em sua
longa marcha nada menos de 20.000 km a pé, ou seja, metade do
comprimento da linha do Equador. Sob a inspiração de Jesus, tendo a
servir de intermediário o próprio Estêvão, na espiritualidade, Paulo
escreveu as epístolas, cartas cheias de ternura aos companheiros das
comunidades nascentes, também carregadas de orientações: duas aos
Tessalonicenses , em Corinto, em 52-54; 1ª aos Coríntios , de Éfeso, em
57; 2ª aos Coríntios, de Filipos, em 57; aos Gálatas e aos Romanos, de
Corinto, em 57; aos Filipenses, aos Efésios, aos Colossenses e a
Filémon, de Roma, em 62; aos Hebreus, em 63 ou 64, da Itália; 1ª a
Timóteo, em 64 ou 65, a Tito em 64 ou 65, e a 2ª a Timóteo, em 66, de
Roma. Mais de uma vez foi apedrejado, açoitado, maltratado. Padeceu
fome, frio, privações. Por amor a Jesus, ele tudo aceitou e afirmou
portar no corpo "as marcas do Cristo". Decapitado, fora dos muros de
Roma, no ano de 67, por ordem do Imperador Nero, ele adentrou a
espiritualidade. Quando a Terceira Revelação se apresentou na Terra,
ei-lo participando da equipe do Espírito de Verdade, deixando seus
palavras em O Evangelho segundo o espiritismo, nos capítulos X, item
15(1) ( sobre o perdão , em Lyon, em 1861) e capítulo XV, item 10 (2)(
Fora da caridade não há salvação, em Paris, em 1860). Igualmente,
respondendo a questão de número 1009 de O livro dos espíritos(3), a
respeito da eternidade das penas, junto a dissertações de Santo
Agostinho, Lamennais e Platão.
Notas :
(1) (ESE, cap. X, item 15)- Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si próprio; perdoar aos amigos é dar-lhesuma prova de amizade; perdoar as ofensas é mostrar-se melhor do que era. Perdoai, pois, meus amigos, a fim de que Deus vos perdoe, porquanto, se fordes duros, exigentes, inflexíveis, se usardes de rigor até por uma ofensa leve, como querereis que Deus esqueça deque cada dia maior necessidade tendes de indulgência? Oh! ai daquele que diz: "Nunca perdoarei", pois pronuncia a sua própria condenação. Quem sabe, aliás, se, descendo ao fundode vós mesmos, não reconhecereis que fostes o agressor? Quem sabe se, nessa luta que começa por uma alfinetada e acaba por uma ruptura, não fostes quem atirou o primeiro golpe, se vos não escapou alguma palavra injuriosa, se não procedestes com toda a moderação necessária? Sem dúvida, o vosso adversário andou mal em se mostrar excessivamente suscetível; razão de mais para serdes indulgentes e para não vos tomardes merecedores da invectiva que lhe lançastes. Admitamos que, em dada circunstância, fostes realmente ofendido: quem dirá que não envenenastes as coisas por meio de represálias e que não fizestes degenerasse em querela grave o que houvera podido cair facilmente no olvido? Se de vós dependia impedir as conseqüências do fato e não as impedistes, sois culpados. Admitamos, finalmente, que de nenhuma censura vos reconheceis merecedores: mostrai-vos clementes e com isso só fareis que o vosso mérito cresça.
Mas, há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão do coração. Muitas pessoas dizem, com referência ao seu adversário: "Eu lhe perdôo", mas, interiormente, alegram-se com o mal que lhe advém, comentando que ele tem o que merece.
Quantos não dizem: "Perdôo" e acrescentam: "mas, não me reconciliarei nunca; não quero tornar a vê-lo em toda a minha vida." Será esse o perdão, segundo o Evangelho? Não; o perdão verdadeiro, o perdão cristão é aquele que lança um véu sobre o passado; esse o único que vos será levado em conta, visto que Deus não se satisfaz com as aparências. Ele sonda o recesso do coração e os mais secretos pensamentos. Ninguém se lhe impõe por meio de vãs palavras e de simulacros. O esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas; o rancor é sempre sinal de baixeza e de inferioridade. Não olvideis que o verdadeiro perdão se reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras.
Paulo, apóstolo. (Lião, 1861.)
(2) (ESE, capítulo XV, item 10) Fora da caridade não há salvação.Meus
filhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação, estão encerrados
os destinos dos homens, na Terra e no céu; na Terra, porque à sombra
desse estandarte eles viverão em paz; no céu, porque os que a houverem
praticado acharão graças diante do Senhor. Essa divisa é o facho
celeste, a luminosa coluna que guia o homem no deserto da vida,
encaminhando-o para a Terra da Promissão. Ela brilha no céu, como
auréola santa, na fronte dos eleitos, e, na Terra, se acha gravada no
coração daqueles a quem Jesus dirá: Passai à direita, benditos de meu
Pai. Reconhecê-los-eis pelo perfume de caridade que espalham em torno de
si Nada exprime com mais exatidão o pensamento de Jesus, nada resume
tão bem os deveres do homem, como essa máxima de ordem divina. Não
poderia o Espiritismo provar melhor a sua origem, do que apresentando-a
como regra, por isso que é um reflexo do mais puro Cristianismo.
Levando-a por guia, nunca o homem se transviará. Dedicai-vos, assim,
meus amigos, a perscrutar-lhe o sentido profundo e as conseqüências, a
descobrir-lhe, por vós mesmos, todas as aplicações. Submetei todas as
vossas ações ao governo da caridade e a consciência vos responderá. Não
só ela evitará que pratiqueis o mal, como também fará que pratiqueis o
bem, porquanto uma virtude negativa não basta: é necessária uma virtude
ativa.
Para fazer-se o bem, mister sempre se torna a ação da vontade; para se não praticar o mal, basta as mais das vezes a inércia e a despreocupação.
Meus amigos, agradecei a Deus o haver permitido que pudésseis gozar a luz do Espiritismo. Não é que somente os que a possuem hajam de ser salvos; é que, ajudando-vos a compreender os ensinos do Cristo, ela vos faz melhores cristãos. Esforçai-vos, pois, para que os vossos irmãos, observando-vos, sejam induzidos a reconhecer que verdadeiro espírita e verdadeiro cristão são uma só e a mesma coisa, dado que todos quantos praticam a caridade são discípulos de Jesus, sem embargo da seita a que pertençam.
Para fazer-se o bem, mister sempre se torna a ação da vontade; para se não praticar o mal, basta as mais das vezes a inércia e a despreocupação.
Meus amigos, agradecei a Deus o haver permitido que pudésseis gozar a luz do Espiritismo. Não é que somente os que a possuem hajam de ser salvos; é que, ajudando-vos a compreender os ensinos do Cristo, ela vos faz melhores cristãos. Esforçai-vos, pois, para que os vossos irmãos, observando-vos, sejam induzidos a reconhecer que verdadeiro espírita e verdadeiro cristão são uma só e a mesma coisa, dado que todos quantos praticam a caridade são discípulos de Jesus, sem embargo da seita a que pertençam.
Paulo, o apóstolo. (Paris,1860.)
(3)
(LE, pergunta 1009)- Assim, as penas impostas jamais o são por toda a
eternidade? "Interrogai o vosso bom-senso, a vossa razão e
perguntai-lhes se uma condenação perpétua, motivada por alguns momentos
de erro, não seria a negação da bondade de Deus.
Que é, com efeito, a duração da vida, ainda quando de cem anos, em face da eternidade?
Eternidade! Compreendeis bem esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem esperanças, por causa de algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante idéia? Que os antigos tenham considerado o Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo, concebe-se. Na ignorância em que se achavam, atribuíam à divindade as paixões dos homens. Esse, todavia, não é o Deus dos cristãos, que classifica como virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas. Poderia Ele carecer das qualidades, cuja posse prescreve, como um dever, às Suas criaturas? Não haverá contradição em se Lhe atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizeis que, acima de tudo, Ele é justo e que o homem não Lhe compreende a justiça. Mas, a justiça não exclui a bondade e Ele não seria bom, se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. Teria o direito de fazer da justiça uma obrigação para Seus filhos, se lhes não desse meio de compreendê-la? Aliás, no fazer que a duração das penas dependa dos esforços do culpado não está toda a sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se encontra a verdade desta sentença: "A cada um segundo as suas obras."
Que é, com efeito, a duração da vida, ainda quando de cem anos, em face da eternidade?
Eternidade! Compreendeis bem esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem esperanças, por causa de algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante idéia? Que os antigos tenham considerado o Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo, concebe-se. Na ignorância em que se achavam, atribuíam à divindade as paixões dos homens. Esse, todavia, não é o Deus dos cristãos, que classifica como virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas. Poderia Ele carecer das qualidades, cuja posse prescreve, como um dever, às Suas criaturas? Não haverá contradição em se Lhe atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizeis que, acima de tudo, Ele é justo e que o homem não Lhe compreende a justiça. Mas, a justiça não exclui a bondade e Ele não seria bom, se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. Teria o direito de fazer da justiça uma obrigação para Seus filhos, se lhes não desse meio de compreendê-la? Aliás, no fazer que a duração das penas dependa dos esforços do culpado não está toda a sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se encontra a verdade desta sentença: "A cada um segundo as suas obras."
Santo Agostinho
VIAGENS DE PAULO
1a. e 2a.viagens
3a.viagem e Viagem do Cativeiro
Fontes:
1. "Paulo e Estêvão", romance de Emmanuel, psicografia de Francisco Cândido Xavier, FEB.
2. "Grandes personagens da história universal", vol. 1.
3." Bíblia Sagrada" (O novo testamento - Epístolas) 4. http://www.espirito.com.br
4."Jornal do Mundo Espírita, Setembro de 2000"- site http://www.espirito.com.br
5. "Evangelho segundo o Espiritismo", FEB
6. "Livro dos Espíritos", FEB
7."Paulo, um homem em Cristo", Ruy Kremer - mapa das viagens de Paulo
Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Paulo (Timóteo 4:7 ) |
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terça-feira, 2 de agosto de 2011
Interpretando a Parábola da Filho Pródigo II
O
jovem, aparentemente, regressou para donde viera; na realidade, porém,
esse regresso foi um super-gresso; o ponto da sua volta não coincidiu
com o ponto da sua partida; não fechou simplesmente um círculo, abriu
uma grande espiral, cujo termo de chegada está imensamente acima do
termo de partida; oregresso superou o egresso, porque entre este e aquele acontece um ingresso.Entre
a partida e a chegada houve uma gigantesca evolução – a jornada cósmica
que vai da culpa através do sofrimento até a redenção.
Para celebrar esse grande acontecimento – a autocompreensão e auto-realização de um homem – o Evangelho recorre a tudo quanto possa simbolizar suprema alegria e solenidade: abraços, beijos, anel precioso, deslumbrante vestuário, lauto festim, músicas e bailados. É que a realização de um único homem é um fenômeno mais grandioso que todos os astros e galáxias do Universo. Deus creou todas as grandezas do cosmos – mas um único homem plenamente realizado é um Universo de creatividade acima de todas as creatitudes...
Quando se estava celebrando essa grande harmonia, aparece uma aguda dissonância: o filho mais velho, que estagnara na sua evolução e continuara a marcar passo na inexperiência, revelou-se incapaz de compreender a linha ascencional evolutiva de seu irmão, que culminou em suprema verticalidade. Nem aceita a palavra “teu irmão”, mas a substitui por “teu filho”. De fato, o jovem realizado não era mais “irmão” dele; não havia nenhuma afinidade espiritual entre eles; ele era apenas “teu filho”, um filho de Deus, sem afinidade com outros filhos de Deus. O filho mais velho se queixa de nunca ter sido recompensado por sua obediência de muitos anos, ao passo que o outro, auto-realizado, nada sabe de recompensa, de espírito mercenário. Quem encontrou o seu verdadeiro ser nada mais sabe do ilusórioter. Quem realizou o seu ser só conhece amor, e nada sabe de recompensa.
O poema do filho pródigo marca o zênite da genialidade do Nazareno,quando considerado à luz do drama cósmico da auto-realização do homem e da evolução multimilenar da humanidade.
O filho mais velho representa um ser humano que, longe de atingir as alturas da individualidade do Eu divino nem sequer despertara para a personalidade do seu ego humano. E quem não tem consciência do seu ego não é possuidor de nada, como os seres da natureza, que nada sabem de posse ou possessividade.
Por isso, diz muito bem o Pai, que simboliza Deus. “Tudo que é meu é teu”. Tudo que é de Deus é também do mundo infra-humano – mineral, vegetal, animal – mas esse mundo nada sabe de “meu”. O infra-ego não possui nada, nem sequer um “cabrito”. A consciência do “meu” é um corolário do pequeno “eu” personal ou ego.
O filho mais novo havia chegado à ego-consciência personal e a tinha superado, atingindo as alturas da Eu-consciência cósmica.
O hino místico Exultet, que se canta anualmente na véspera ou manhã de Páscoa, exclama: “O Felix culpa! O vere necessarium Adae peccatum, quod talem et tantum meruisti redemptorem!”(Ó culpa feliz! Ó pecado de Adão realmente necessário, que tal e tão grande Redentor mereceste!).
Poderá haver culpa feliz? Haverá pecado necessário?
Em face da teologia analítica, isto é blasfemo – mas à luz da visão da mística intuitiva, isto é sublime. Culpa e pecado simbolizam o estágio evolutivo do homem através do ego em demanda do Eu. A nossa humanidade da ego-personalidade já está no plano horizontal da “culpa feliz” e do “pecado necessário”; falta-lhe superar esse plano e atingir a plenitude vertical da sua redenção.
Após o subego, a kundalini, enrolada e dormente, acordará como ego rastejante no plano horizontal, “comendo do pó da terra” – no superego, ou Eu, kundalini se ergue à plenitude vertical da sua auto-realização.
A história do filho pródigo encerra uma metafísica de infinita profundidade e uma mística de inaudita sublimidade.
Para celebrar esse grande acontecimento – a autocompreensão e auto-realização de um homem – o Evangelho recorre a tudo quanto possa simbolizar suprema alegria e solenidade: abraços, beijos, anel precioso, deslumbrante vestuário, lauto festim, músicas e bailados. É que a realização de um único homem é um fenômeno mais grandioso que todos os astros e galáxias do Universo. Deus creou todas as grandezas do cosmos – mas um único homem plenamente realizado é um Universo de creatividade acima de todas as creatitudes...
Quando se estava celebrando essa grande harmonia, aparece uma aguda dissonância: o filho mais velho, que estagnara na sua evolução e continuara a marcar passo na inexperiência, revelou-se incapaz de compreender a linha ascencional evolutiva de seu irmão, que culminou em suprema verticalidade. Nem aceita a palavra “teu irmão”, mas a substitui por “teu filho”. De fato, o jovem realizado não era mais “irmão” dele; não havia nenhuma afinidade espiritual entre eles; ele era apenas “teu filho”, um filho de Deus, sem afinidade com outros filhos de Deus. O filho mais velho se queixa de nunca ter sido recompensado por sua obediência de muitos anos, ao passo que o outro, auto-realizado, nada sabe de recompensa, de espírito mercenário. Quem encontrou o seu verdadeiro ser nada mais sabe do ilusórioter. Quem realizou o seu ser só conhece amor, e nada sabe de recompensa.
O poema do filho pródigo marca o zênite da genialidade do Nazareno,quando considerado à luz do drama cósmico da auto-realização do homem e da evolução multimilenar da humanidade.
O filho mais velho representa um ser humano que, longe de atingir as alturas da individualidade do Eu divino nem sequer despertara para a personalidade do seu ego humano. E quem não tem consciência do seu ego não é possuidor de nada, como os seres da natureza, que nada sabem de posse ou possessividade.
Por isso, diz muito bem o Pai, que simboliza Deus. “Tudo que é meu é teu”. Tudo que é de Deus é também do mundo infra-humano – mineral, vegetal, animal – mas esse mundo nada sabe de “meu”. O infra-ego não possui nada, nem sequer um “cabrito”. A consciência do “meu” é um corolário do pequeno “eu” personal ou ego.
O filho mais novo havia chegado à ego-consciência personal e a tinha superado, atingindo as alturas da Eu-consciência cósmica.
O hino místico Exultet, que se canta anualmente na véspera ou manhã de Páscoa, exclama: “O Felix culpa! O vere necessarium Adae peccatum, quod talem et tantum meruisti redemptorem!”(Ó culpa feliz! Ó pecado de Adão realmente necessário, que tal e tão grande Redentor mereceste!).
Poderá haver culpa feliz? Haverá pecado necessário?
Em face da teologia analítica, isto é blasfemo – mas à luz da visão da mística intuitiva, isto é sublime. Culpa e pecado simbolizam o estágio evolutivo do homem através do ego em demanda do Eu. A nossa humanidade da ego-personalidade já está no plano horizontal da “culpa feliz” e do “pecado necessário”; falta-lhe superar esse plano e atingir a plenitude vertical da sua redenção.
Após o subego, a kundalini, enrolada e dormente, acordará como ego rastejante no plano horizontal, “comendo do pó da terra” – no superego, ou Eu, kundalini se ergue à plenitude vertical da sua auto-realização.
A história do filho pródigo encerra uma metafísica de infinita profundidade e uma mística de inaudita sublimidade.
Simplesmente isso, sem comentárioas adjacentes...o Humberto conseguiu chegar a um ponto que poucos chegaram com essa parábola, como eu nunca tinha visto antes.
Texto escrito por Humberto Rohden, retirado do livro Sabedoria das Parábolas, editado pela Martin Claret.
Interpretando a Parábola da Filho Pródigo I
Evolução do homem através de erros humanos para a verdade divina.
A história do Filho Pródigo é, quase sempre, apresentada exclusivamente como a parábola clássica da misericórdia de Deus para com o pecador penitente. Oradores e escritores fazem dela um poema melodramático e sentimental do amor de um Pai que recebe de braços abertos um filho ingrato que, finalmente, se arrepende dos seus desvarios e regressa à casa paterna. Esse pai misericordioso é Deus, e o filho pródigo é qualquer pecador que se converte.
Não é intenção nossa excluir totalmente essa interpretação comovente.
Entretanto, à luz do texto original do primeiro século, não cremos que seja esta quintessência, o alfa e ômega da história narrada por Jesus. Por entre as linhas aparece algo infinitamente mais profundo e sublime, mais cósmico e ontológico que esse drama do amor paterno e da humanidade filial.
A história do filho pródigo – que, no Evangelho, não é chamada parábola – é o drama da evolução ascensional do homem e aepopéia multimilenar da própria humanidade. Podemos até afirmar que, nessa narrativa, atingiu o espírito do Nazareno as maisexcelsas culminâncias da sua visão cósmica sobre o homem individual e sobre a humanidade universal.
A fim de compreendermos devidamente o poema cósmico do filho pródigo, devemos, acima de tudo, remontar ao texto grego do primeiro século, nem sempre fielmente reproduzido em nossas traduções.
No texto grego original de Lucas – o único evangelista que refere o fato e que escreveu diretamente em língua grega – lemos o seguinte: “Um pai tinha dois filhos. Disse-lhe o mais novo: Pai, concede-me a parte da natureza que me convém.”
A Vulgata Latina traduz “Dá-me a porção da substância que me pertence”. Substância, em latim, pode significar “aquilo quesubestá”, que subjaz à minha vida, que é a minha natureza humana de jovem. Mas os tradutores entendem, geralmente, por substância o dinheiro.
O texto original grego é bem claro quando diz: “A parte da minha natureza (ousia, do verbo einai, que significa ”ser”) que me convém (epibállon)”.
Que é que o filho mais novo, talvez de 15 anos, pede ao pai?
Muitos pensam que ele tenha pedido a parte dos bens materiais a que julgava ter dinheiro, e o pai teria distribuído entre os dois filhos os bens da família, na medida do direito de cada um. Mas teria um rapaz o direito de pedir isto ao pai? E, se assim acontecera, como se entende que, após o regresso do filho pródigo, o filho mais velho diz ao pai que nunca recebeu nada dele? Se houvesse partilha dos bens, teria o filho mais velho recebido a sua parte, e não se poderia queixar.
O texto grego não se refere à partilha dos bens, fala da parte da natureza (ousia) que ao jovem convém. Isto é, o jovem reclama o direito da sua juventude, insiste na sua liberdade pessoal de jovem independente, faz valer o direito de não mais ser criança dependente, mas adolescente autônomo. Pede um modo de vida conveniente (epibállon) a sua natureza de jovem.
O pai reconhece, em silêncio, essa conveniência; não protesta, não dissuade o jovem com nenhuma palavra; reconhece que ele deve iniciar a fase da sua adolescência. Também não aparece nenhuma mãe chorando e dissuadindo o filho de gozar os direitos da sua mocidade independente.
Em silêncio, “o pai dividiu entre eles a vida” (bios). A palavra grega “bios” quer dizer “vida”, onde a Vulgata Latina repete a mesma palavra “substância”.
O pai dividiu a vida (bios) entre os dois filhos: o mais velho continua na sua vida dependente, o mais novo inicia uma vida independente. Ou seja: o filho mais novo desperta para o segundo estágio da evolução hominal, deixa de ser criança inexperiente, e passa a ser um jovem experiente da sua ego-personalidade ao passo que seu irmão mais velho continua estagnado no plano do seu infra-ego inexperiente; não comeu ainda do “fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal”, como diria Moisés.
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