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sábado, 23 de abril de 2011

Apenas o corpo físico é sujeito ao envelhecimento

AS MULHERES DE OITENTA Vinícius de Moraes, agora com 90 anos, poderia cantarolar: olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é uma velhinha que vem e que passa, no doce balanço, a caminho do lar... Se ainda existe uma mulher do lar, ela tem oitenta anos. Principalmente no nosso lar.

Me responda: existe alguma coisa mais bonita do que ver uma senhora de oitenta anos, aqueles cabelos brancos (mulher honesta de oitenta não pinta mais os cabelos), caminhando pela rua de mãos dadas com o marido, bem mais trôpego do que ela?

Quantas vidas existem naquelas duas mãos entrelaçadas? Quantos filhos, netos e bisnetos? Quanta vida, quanta história. Quanta gente aquela mulher de oitenta colocou no mundo?

E agora lá vai ela, caminhando, sem pressa nenhuma, sabe lá pra onde. Ela e o homem dela. Eternos enquanto duraram.

É, já não se fazem mais mulheres como as de 80. Perdemos a fórmula e esquecemos, quase sempre, que elas existem. Mulher de um só amor, de uma só dedicação. As
mulheres de oitenta se dividem basicamente em três categorias: as ainda casadas (como sofreram com seus maridos há algumas décadas!), as viúvas (como sofreram com o morte do marido!) e as com o mal de Alzhaimer (que não sofrem, porque não sabem mais!).

O incrível é que a gente olha para uma velhinha e pensa que ela não saca mais nada. Que está apenas sentada ali na porta esperando o próprio enterro passar. Lêdo e lerdo engano. Aquela que faz aniversário, com filhos, netos e bisnetos em volta. Olha ela lá, na dela, sentada na cadeira, olhando o nada. Engana-se, minha filha. Ela está percebendo tudo. Ela sabe o que está rolando na festinha da bisa. Sabe quem trai quem, quem deve pra quem, quem odeia quem, dentro de seus próprios descendentes. Mas ninguém da bola pra ela.

A mulher de oitenta é a mais sábia das mulheres. Ela já teve trinta, achando que sabia de tudo. Chegou as quarenta pensando: agora é que eu sei. E aí foi indo até chegar ali. Cada vez conhecendo mais o mundo e as pessoas do mundo. Quando vê o Bush dizendo besteira na televisão, ninguém lhe pergunta o que achou. Têm certeza que ela vai dizer bobagem. Mas se ousarem vão ouvir uma frase curta, perfeita, exata. Quase filosófica. As mulheres de oitenta filosofa, mas infelizmente ninguém as ouvem. (…) Quanto àquelas que têm o mal de Alzhaimer (antigamente eram apenas caducas. Pioraram o nome e não arrumaram o remédio) não sabem o que está acontecendo no mundo. Sua mente não guarda nada do presente (o que tem lá suas vantagens), mas se lembram do passado como se fosse ontem. Pergunte sobre o baile de debutantes, como foi que ela conheceu o marido dela, daquela famosa quadrilha, das fofocas familiares dos anos 30.

Um diário do passado vai invadir a sua cabeça e seus olhos vão ficar brilhando.

Ah, as mulheres de oitenta com seus cabelos brancos, seus óculos redondos, seu terço e sua caixinha de remédios. Sábias, filósofas, boas. Gente finíssima. (Mário Prata)

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