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domingo, 10 de julho de 2011

Instruções de AQllan Kardec ao Movimento Espírita

                                                   INSTRUÇÕES DE ALLAN KARDEC AO MOVIMENTO ESPÍRITA

O Espiritismo é uma Religião?1
Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de
pensamentos; com efeito, é aí que podem e devem exercer a sua força, porque o objetivo deve ser a libertação
do pensamento das amarras da matéria. Infelizmente, a maioria se afasta deste princípio à medida que a
religião se torna uma questão de forma. Disto resulta que cada um, fazendo seu dever consistir na realização
da forma, se julga quites com Deus e com os homens, desde que praticou uma fórmula. Resulta ainda que
cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta e, na
maioria das vezes, sem nenhum sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes; fica
isolado em meio à multidão e só pensa no céu para si mesmo.
Por certo não era assim que o entendia Jesus, ao dizer: “Quando duas ou mais pessoas estiverem
reunidas em meu nome, aí estarei entre elas”. Reunidos em meu nome, isto é, com um pensamento comum;
mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios, sua doutrina. Ora, qual é o
princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, palavras e ações. Mentem os
egoístas e os orgulhosos, quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus não os conhece por seus
discípulos.
Chocados por esses abusos e desvios, há pessoas que negam a utilidade das assembléias religiosas
e, em conseqüência, a das edificações consagradas a tais assembléias. Em seu radicalismo, pensam que seria
melhor construir asilos do que templos, uma vez que o templo de Deus está em toda parte e em toda parte
pode ser adorado; que cada um pode orar em casa e a qualquer hora, enquanto os pobres, os doentes e os
enfermos necessitam de lugar de refúgio.
Mas, porque cometeram abusos, porque se afastaram do reto caminho, devemos concluir que não
existe o reto caminho e que tudo quanto se abusa seja mau? Não, certamente. Falar assim é desconhecer a
fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos, que deve ser a essência das assembléias religiosas; é
ignorar as causas que a provocam. Concebe-se que os materialistas professem semelhantes idéias, já que em
tudo fazem abstração da vida espiritual; mas da parte dos espiritualistas e, melhor ainda, dos espíritas, seria
um contra-senso. O isolamento religioso, assim como o isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns
homens sejam bastante fortes por si mesmos, largamente dotados pelo coração, para que sua fé e caridade
não necessitem ser revigoradas num foco comum, é possível; mas não é assim com as massas, por lhes faltar
um estimulante, sem o qual poderiam se deixar levar pela indiferença. Além disso, qual o homem que poderá
dizer-se bastante esclarecido para nada ter a aprender no tocante aos seus interesses futuros? Bastante
perfeito para abrir mão dos conselhos da vida presente? Será sempre capaz de instruir-se por si mesmo? Não;
a maioria necessita de ensinamentos diretos em matéria de religião e de moral, como em matéria de ciência.
Incontestavelmente, tais ensinos podem ser dados em toda parte, sob a abóbada do céu, como sob a de um
templo; mas por que os homens não haveriam de ter lugares especiais para as questões celestes, como os têm
para as terrenas? Por que não teriam assembléias religiosas, como têm assembléias políticas, científicas e
industriais? Aqui está uma bolsa onde se ganha sempre. Isto não impede as edificações em proveito dos
1 N. do T.: A resposta a esta pergunta foi dada por Allan Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em 1º de novembro
de 1868, na Sessão Anual Comemorativa dos Mortos. Apenas transcrevemos o trecho diretamente relacionado com o tema: “O
Espiritismo é uma religião?”. O artigo integral está na Revista Espírita de dezembro de 1868, 1ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005, p.
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infelizes. Dizemos, ademais, que haverá menos gente nos asilos, quando os homens compreenderem melhor
seus interesses do céu.
Se as assembléias religiosas – falo em geral, sem aludir a nenhum culto – muitas vezes se têm
afastado de seu objetivo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se o ensino ali
ministrado nem sempre tem acompanhado o movimento progressivo da Humanidade, é que os homens não
progridem todos ao mesmo tempo. O que não fazem num período, fazem em outro; à proporção que se
esclarecem, vêem as lacunas existentes em suas instituições, e as preenchem; compreendem que o que era
bom numa época, em relação ao grau de civilização, torna-se insuficiente numa etapa mais avançada, e
restabelecem o nível. Sabemos que o Espiritismo é a grande alavanca do progresso em todas as coisas; marca
uma era de renovação. Saibamos, pois, esperar, não exigindo de uma época mais do que ela pode dar. Como
as plantas, é preciso que as idéias amadureçam, para que seus frutos sejam colhidos. Saibamos, além disso,
fazer as necessárias concessões às épocas de transição, porque na Natureza nada se opera de maneira brusca e
instantânea.
Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembléias religiosas deve ser a comunhão de
pensamentos; é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço. Uma religião, em sua acepção larga e
verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunhão de sentimentos, de princípios e de crenças;
consecutivamente, esse nome foi dado a esses mesmos princípios codificados e formulados em dogmas ou
artigos de fé. É nesse sentido que se diz: a religião política; entretanto, mesmo nesta acepção, a palavra
religião não é sinônima de opinião; implica uma idéia particular: a de fé conscienciosa; eis por que se diz
também: a fé política. Ora, os homens podem filiar-se, por interesse, a um partido, sem ter fé nesse partido, e
a prova é que o deixam sem escrúpulo, quando encontram seu interesse alhures, ao passo que aquele que o
abraça por convicção é inabalável; persiste à custa dos maiores sacrifícios, e é a abnegação dos interesses
pessoais a verdadeira pedra de toque da fé sincera. Todavia, se a renúncia a uma opinião, motivada pelo
interesse, é um ato de desprezível covardia, é, não obstante, respeitável, quando fruto do reconhecimento do
erro em que se estava; é, então, um ato de abnegação e de razão. Há mais coragem e grandeza em reconhecer
abertamente que se enganou, do que persistir, por amor-próprio, no que se sabe ser falso, e para não se dar
um desmentido a si próprio, o que acusa mais obstinação do que firmeza, mais orgulho do que razão, e mais
fraqueza do que força. É mais ainda: é hipocrisia, porque se quer parecer o que não se é; além disso é uma
ação má, porque é encorajar o erro por seu próprio exemplo.
O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral,
que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos
materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao
espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como conseqüência da comunhão
de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse
sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família.
Se é assim, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores! No
sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos vangloriamos por isto, porque é a Doutrina que
funda os vínculos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas
sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.
Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver
senão uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é
inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma idéia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o
Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se
quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de
cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas
vezes a opinião se levantou.
Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não
podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque
simplesmente se diz: Doutrina filosófica e moral.
As reuniões espíritas podem, pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o
respeito que comporta a natureza grave dos assuntos de que se ocupa; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer
preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam tomadas por
assembléias religiosas. Não se pense que isto seja um jogo de palavras; a nuança é perfeitamente clara, e a
aparente confusão não provém senão da falta de uma palavra para cada idéia.
Qual é, pois, o laço que deve existir entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum
contrato material, por nenhuma prática obrigatória. Qual o sentimento no qual se deve confundir todos os
pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para com todos
ou, em outras palavras: o amor do próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os
mortos sempre fazem parte da Humanidade.
A caridade é a alma do Espiritismo; ela resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e
para com os seus semelhantes, razão por que se pode dizer que não há verdadeiro espírita sem caridade.
Mas a caridade é ainda uma dessas palavras de sentido múltiplo, cujo inteiro alcance deve ser bem
compreendido; e se os Espíritos não cessam de pregá-la e defini-la, é que, provavelmente, reconhecem que
isto ainda é necessário.
O campo da caridade é muito vasto; compreende duas grandes divisões que, em falta de termos
especiais, podem designar-se pelas expressões caridade beneficente e caridade benevolente. Compreende-se
facilmente a primeira, que é naturalmente proporcional aos recursos materiais de que se dispõe; mas a
segunda está ao alcance de todos, do mais pobre como do mais rico. Se a beneficência é forçosamente
limitada, nada além da vontade poderia estabelecer limites à benevolência.
O que é preciso, então, para praticar a caridade benevolente? Amar ao próximo como a si mesmo.
Ora, se se amar ao próximo tanto quanto a si, amar-se-o-á muito; agir-se-á para com outrem como se quereria
que os outros agissem para conosco; não se quererá nem se fará mal a ninguém, porque não quereríamos que
no-lo fizessem.
Amar ao próximo é, pois, abjurar todo sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja,
de ciúme, de vingança, numa palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar aos inimigos e
retribuir o mal com o bem; é ser indulgente para as imperfeições de seus semelhantes e não procurar o
argueiro no olho do vizinho, quando não se vê a trave no seu; é esconder ou desculpar as faltas alheias, em
vez de se comprazer em as pôr em relevo, por espírito de maledicência; é ainda não se fazer valer à custa dos
outros; não procurar esmagar ninguém sob o peso de sua superioridade; não desprezar ninguém pelo orgulho.
Eis a verdadeira caridade benevolente, a caridade prática, sem a qual a caridade é palavra vã; é a caridade do
verdadeiro espírita, como do verdadeiro cristão; aquela sem a qual aquele que diz: Fora da caridade não há
salvação, pronuncia sua própria condenação, tanto neste quanto no outro mundo.
Quantas coisas haveria a dizer sobre este assunto! Que belas instruções não nos dão os Espíritos
incessantemente! Não fosse o receio de alongar-me em demasia e de abusar de vossa paciência, senhores,
seria fácil demonstrar que, em se colocando no ponto de vista do interesse pessoal, egoísta, se se quiser,
porque nem todos os homens estão ainda maduros para uma completa abnegação, para fazer o bem
unicamente por amor do bem, digo que seria fácil demonstrar que têm tudo a ganhar em agir deste modo, e
tudo a perder agindo diversamente, mesmo em suas relações sociais; depois, o bem atrai o bem e a proteção
dos bons Espíritos; o mal atrai o mal e abre a porta à malevolência dos maus. Mais cedo ou mais tarde o
orgulhoso será castigado pela humilhação, o ambicioso pelas decepções, o egoísta pela ruína de suas
esperanças, o hipócrita pela vergonha de ser desmascarado; aquele que abandona os bons Espíritos por estes
é abandonado e, de queda em queda, finalmente se vê no fundo do abismo, ao passo que os bons Espíritos
erguem e amparam aquele que, nas maiores provações, não deixa de se confiar à Providência e jamais se
desvia do reto caminho; aquele, enfim, cujos secretos sentimentos não dissimulam nenhum pensamento
oculto de vaidade ou de interesse pessoal. Assim, de um lado, ganho assegurado; do outro, perda certa; cada
um, em virtude do seu livre-arbítrio, pode escolher a sorte que quer correr, mas não poderá queixar-se senão
de si mesmo pelas conseqüências de sua escolha.
Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade;
na preexistência da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existências como meio de
expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos;
na felicidade crescente com a perfeição; na equitativa remuneração do bem e do mal, segundo o princípio: a
cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios
para nenhuma criatura; na duração da expiação limitada à da imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que
lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade das relações entre o mundo visível e o
mundo invisível; na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e
desencarnados; considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterno;
aceitar corajosamente as provações, em vista de um futuro mais invejável que o presente; praticar a caridade
em pensamento, em palavras e obras na mais larga acepção do termo; esforçar-se cada dia para ser melhor
que na véspera, extirpando toda imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao controle do livre
exame e da razão, e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos
pareçam, e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da Ciências, a revelação das
leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião do Espiritismo, religião que pode conciliarse
com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir todos os
espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ligue todos os homens sob a bandeira da
fraternidade universal.
Com a fraternidade, filha da caridade, os homens viverão em paz e se pouparão males
inumeráveis, que nascem da discórdia, por sua vez filha do orgulho, do egoísmo, da ambição, da inveja e de
todas as imperfeições da Humanidade.
O Espiritismo dá aos homens tudo o que é preciso para a sua felicidade aqui na Terra, porque lhes
ensina a se contentarem com o que têm. Que os espíritos sejam, pois, os primeiros a aproveitar os benefícios
que ele traz, e que inaugurem entre si o reino da harmonia, que resplandecerá nas gerações futuras.
Os Espíritos que nos cercam aqui são inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos ao
nos reunirmos, a fim de dar aos nossos pensamentos a força que nasce da união. Ofereçamos aos que nos são
caros uma boa lembrança e o penhor de nossa afeição, encorajamentos e consolações aos que deles
necessitem. Façamos de modo que cada um recolha a sua parte dos sentimentos de caridade benevolente, de
que estivermos animados, e que esta reunião dê os frutos que todos têm o direito de esperar.
ALLAN KARDEC
(REVISTA ESPÍRITA, DEZEMBRO DE 1868, ED. FEB, P. 487-495)

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