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domingo, 10 de julho de 2011

O Espiritismo é uma Ciência positiva

                                                        Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
ANO VII ABRIL de 1864 Nº 11
Ed. FEB - 1ª Edição
O Espiritismo é uma Ciência Positiva
ALOCUÇÃO DO SR. ALLAN KARDEC AOS ESPÍRITAS DE BRUXELAS E ANTUÉRPIA, EM 1864
Publicamos esta alocução a pedido de grande número de pessoas que nos testemunharam o
desejo de conservá-la, e porque ela tende a fazer considerar o Espiritismo sob um aspecto de certo modo
novo. A Revista Espírita de Antuérpia reproduziu-a integralmente.
Senhores e caros irmãos espíritas,
Apraz-me dar-vos este título, porque, embora eu não tenha o privilégio de conhecer todas as
pessoas presentes nesta reunião, quero crer que aqui estamos em família e todos em comunhão de
pensamentos e de sentimentos. Mesmo admitindo que nem todos os assistentes fossem simpáticos às
nossas idéias, não os confundiria menos no sentimento fraterno que deve animar os verdadeiros espíritas
para com todos os homens, sem distinção de opinião.
Não obstante, é aos nossos irmãos de crença que me dirijo mais especialmente, para exprimirlhes
a satisfação que sinto de me achar entre eles e de oferecer-lhes, em nome da Sociedade de Paris, a
saudação de fraternidade espírita.
Eu já havia tido a prova de que o Espiritismo conta, nesta cidade, numerosos adeptos sérios,
devotados e esclarecidos, compreendendo perfeitamente o objetivo moral e filosófico da doutrina; sabia
que aqui encontraria corações simpáticos, e isto foi motivo determinante para que eu correspondesse ao
insistente e grato convite que me foi feito por vários dentre vós, de aqui fazer uma pequena visita este ano.
A acolhida tão amável e cordial que recebi fará que leve de minha estada a mais agradável lembrança.
Certamente eu teria o direito de envaidecer-me pela acolhida que me tem sido dispensada nos
diferentes centros que visito, se não soubesse que esses testemunhos se dirigem muito menos ao homem
do que à doutrina, da qual sou humilde representante, e devem ser consideradas como uma profissão de fé,
uma adesão aos nossos princípios. É assim que os encaro, no que me concerne pessoalmente.
Aliás, se as viagens que faço de vez em quando aos centros espíritas só devessem ter como
resultado a satisfação pessoal, eu as consideraria inúteis e delas me absteria. Mas, além de contribuírem
para estreitar os laços de fraternidade entre os adeptos, também têm a vantagem de fornecer-me elementos
de observação e de estudo, jamais perdidos para a doutrina. Independentemente dos fatos que possam
servir ao progresso da ciência, aí recolho os materiais da história futura do Espiritismo, os documentos
autênticos sobre o movimento da idéia espírita, os elementos mais ou menos favoráveis ou contrários que
ela encontra, conforme as localidades, a força ou a fraqueza e as manobras de seus adversários, os meios
de combater estes últimos, o zelo e o devotamento de seus verdadeiros defensores.
Entre estes últimos, devem colocar-se em posição de destaque todos os que militam pela causa
com coragem, perseverança, abnegação e desinteresse, sem segunda intenção pessoal, que buscam o
triunfo da doutrina pela doutrina, e não pela satisfação de seu amor-próprio; enfim, aqueles que, por seu
exemplo, provam que a moral espírita não é uma palavra vã, e se esforçam por justificar esta notável
afirmação de um incrédulo: Com uma tal doutrina, não se pode ser espírita sem ser homem de bem.
Não há centro espírita onde eu não tenha encontrado um número mais ou menos grande desses
pioneiros da obra, desses arroteadores de terreno, desses lutadores infatigáveis que, sustentados por uma fé
sincera e esclarecida, pela consciência de cumprir um dever, não desanimam ante nenhuma dificuldade,
encarando seu devotamento como dívida de reconhecimento pelos benefícios morais que receberam do
Espiritismo. É justo fiquem perdidos para os nossos descendentes os nomes daqueles de que se honra a
doutrina e que um dia não possam ser inscritos no panteão espírita?
Infelizmente, ao lado destes por vezes se acham pessoas de má índole, os impacientes da causa,
que, não calculando o alcance de suas palavras e de seus atos, podem comprometê-la; os que, por zelo
irrefletido, por idéias intempestivas e prematuras, sem o querer fornecem armas aos nossos adversários.
Depois vêm aqueles que, não considerando o Espiritismo senão pela superfície, sem serem tocados no
coração, por seu próprio exemplo dão uma falsa idéia de seus resultados e de suas tendências morais.
Eis aí, sem sombra de dúvida, o maior escolho com que se deparam os sinceros propagadores
da doutrina, pois muitas vezes vêem a obra, que tão penosamente esboçaram, desfeita justamente por
aqueles que os deveriam secundar. Está provado que o Espiritismo é mais entravado pelos que o
compreendem mal do que pelos que não o compreendem absolutamente, e, mesmo, pelos inimigos
declarados. E é de notar que os que o compreendem mal geralmente têm a pretensão de o compreender
melhor que os outros; e não é raro ver neófitos que, ao cabo de alguns meses, pretendem dar lições àqueles
que adquiriram experiência em estudos sérios. Tal pretensão, que denuncia o orgulho, é uma prova
evidente da ignorância dos verdadeiros princípios da doutrina.
Contudo, que os espíritas sinceros não desanimem: é o resultado do momento de transição por
que vivemos. As idéias novas não podem estabelecer-se de repente e sem obstáculos; como lhes é preciso
varrer as idéias antigas, forçosamente encontram adversários que as combatem e as repelem, sem falar nas
criaturas que as tomam em sentido contrário, que as exageram ou desejam acomodá-las a seus gostos e
opiniões pessoais. Mas chega o momento em que as idéias contraditórias caem por si mesmas, uma vez
conhecidos e compreendidos os verdadeiros princípios pela maioria. Já vedes o que sucedeu com todos os
sistemas isolados, surgidos na origem do Espiritismo; todos caíram ante a observação mais rigorosa dos
fatos, ou só ainda encontram alguns desses partidários tenazes que, em tudo, se aferram às suas idéias
primitivas, sem darem um passo à frente. A unidade se fez na crença espírita com muito mais rapidez do
que se esperava. É que os Espíritos, em todos os pontos, vieram confirmar os princípios verdadeiros, de
sorte que hoje, entre os adeptos do mundo inteiro, há uma opinião predominante que, se ainda não goza da
unanimidade absoluta, é, incontestavelmente, a da imensa maioria. Donde se segue que aquele que quiser
marchar na contramão desta opinião, encontrando pouco ou nenhum eco, condena-se ao isolamento. Aí
está a experiência para o demonstrar.
Para remediar o inconveniente que acabo de assinalar, isto é, para prevenir as conseqüências da
ignorância e das falsas interpretações, é preciso maior empenho na vulgarização das idéias justas e na
formação de adeptos esclarecidos, cujo número crescente neutralizará a influência das idéias errôneas.
Minhas visitas aos centros espíritas, naturalmente, têm por objetivo principal auxiliar os nossos
irmãos em crença em suas tarefas. Assim eu as aproveito para lhes dar instruções que possam necessitar,
como desenvolvimento teórico ou aplicação prática da doutrina, tanto quanto me é possível fazê-lo. Como
é sério o fim dessas visitas, e exclusivamente no interesse da doutrina, não busco ovações, que nem são do
meu gosto, nem do meu caráter. Minha maior satisfação é encontrar-me com amigos sinceros, devotados,
com os quais nos podemos entreter sem constrangimento e esclarecer-nos mutuamente, por uma discussão
amistosa, em que cada um traz o contributo de suas próprias observações.
Nessas excursões não vou pregar aos incrédulos; jamais convoco o público para catequizá-lo,
pois não vou fazer propaganda; só compareço a reuniões de adeptos nas quais meus conselhos são
desejados e possam ser úteis; eu os dou de bom grado aos que julgam deles necessitar, abstenho-me com
os que se julgam bastante esclarecidos para os dispensar. Numa palavra, só me dirijo aos homens de boa
vontade.
Se, excepcionalmente, se insinuassem nessas reuniões pessoas atraídas somente pela
curiosidade, ficariam desapontadas, porquanto aí nada encontrariam que as pudesse satisfazer, e, caso
estivessem animadas de sentimento hostil ou desabonador, o caráter eminentemente grave, sincero e moral
da assembléia e dos assuntos nela tratados tiraria qualquer pretexto plausível para a sua malevolência. Tais
são os pensamentos que exprimo nas diversas reuniões às quais sou chamado para assistir, a fim de que
não se equivoquem quanto às minhas intenções.
Afirmei no início que eu não era senão o representante da doutrina. Algumas explicações sobre
o seu verdadeiro caráter naturalmente chamarão vossa atenção para um ponto essencial que, até agora, não
foi considerado suficientemente. Na verdade, vendo a rapidez dos progressos desta doutrina, haveria mais
glória em dizer-me seu criador; meu amor-próprio aí encontraria o seu salário; mas não devo fazer minha
parte maior do que ela é; longe de o lamentar, eu me felicito, porque, então, a doutrina não passaria de
uma concepção individual, que poderia ser mais ou menos justa, mais ou menos engenhosa, mas que, por
isso mesmo, perderia sua autoridade. Poderia ter partidários, talvez fizesse escola, como muitas outras,
mas certamente não teria adquirido, em alguns anos, o caráter de universalidade que a distingue.
Eis um fato capital, senhores, que deve ser proclamado bem alto. Não, o Espiritismo não é uma
concepção individual, um produto da imaginação; não é uma teoria, um sistema inventado para a
necessidade de uma causa; tem sua fonte nos fatos da própria Natureza, em fatos positivos, que se
produzem a cada instante sob os nossos olhos, mas cuja origem não se suspeitava. É, pois, resultado da
observação; numa palavra, uma ciência: a ciência das relações entre o mundo visível e o mundo invisível;
ciência ainda imperfeita, mas que se completa todos os dias por novos estudos e que, tende certeza,
ocupará o seu lugar ao lado das ciências positivas. Digo positivas, porque toda ciência que repousa sobre
fatos é uma ciência positiva, e não puramente especulativa.
O Espiritismo nada inventou, porque não se inventa o que está na Natureza. Newton não
inventou a lei da gravitação; esta lei universal existia antes dele. Cada uma aplicava e lhe sentia os efeitos,
embora não a conhecessem.
O Espiritismo, por sua vez, vem mostrar uma nova lei, uma nova força da Natureza: a que
reside na ação do Espírito sobre a matéria, lei tão universal quanto a da gravitação e da eletricidade,
conquanto ainda desconhecida e negada por certas pessoas, como o foram todas as outras leis na época de
suas descobertas. É que os homens geralmente têm dificuldade em renunciar às suas idéias preconcebidas
e, por amor-próprio, custa-lhes reconhecer que estavam enganados, ou que outros tenham podido
encontrar o que eles mesmos não encontraram.
Mas, em última análise, como esta lei repousa sobre fatos, e contra os fatos não há negação que
possa prevalecer, terão de render-se à evidência, como os mais recalcitrantes o fizeram quanto ao
movimento da Terra, a formação do globo e os efeitos do vapor. Por mais que acusem os fenômenos de
ridículos, não podem impedir a existência daquilo que é.
Assim, o Espiritismo procurou a explicação dos fenômenos de uma certa ordem e que, em
todos os tempos, se produziram de maneira espontânea. Mas, sobretudo, o que o favoreceu nessas
pesquisas é que lhe foi dado, até certo ponto, o poder de produzi-los e de provocá-los. Encontrou nos
médiuns instrumentos adequados a tal efeito, como o físico encontrou na pilha e na máquina elétrica os
meios de reproduzir os efeitos do raio. É fácil compreender que isto não passa de uma comparação; não
pretendo estabelecer uma analogia.
Mas há aqui uma consideração de alta importância: é que, em suas pesquisas, ele não procedeu
por via de hipóteses, como o acusam; não supôs a existência do mundo espiritual para explicar os
fenômenos que tinha sob as vistas; procedeu por meio da análise e da observação; dos fatos remontou à
causa e o elemento espiritual se lhe apresentou como força ativa; só o proclamou depois de havê-lo
constatado.
Como força e como lei da Natureza, a ação do elemento espiritual abre, assim, novos
horizontes à ciência, dando-lhe a chave de uma imensidão de problemas incompreendidos. Mas, se a
descoberta de leis puramente materiais produziu revoluções materiais no mundo, a do elemento espiritual
nele prepara uma revolução moral, pois muda totalmente o curso das idéias e das crenças mais arraigadas;
mostra a vida sob outro aspecto; mata a superstição e o fanatismo; desenvolve o pensamento, e o homem,
em vez de arrastar-se na matéria, de circunscrever sua vida entre o nascimento e a morte, eleva-se ao
infinito; sabe donde vem e para onde vai; vê um objetivo para o seu trabalho, para os seus esforços, uma
razão de ser para o bem; sabe que nada do que adquire na Terra, em saber e moralidade, lhe é perdido, e
que seu progresso continua indefinidamente no além-túmulo; sabe que há sempre um futuro para sim
sejam quais forem a insuficiência e a brevidade da existência presente, ao passo que a idéia materialista,
circunscrevendo a vida à existência atual, dá-lhe como perspectiva o nada, que não tem por compensação
sequer a duração, que ninguém pode aumentar à vontade, já que podemos cair amanhã, em uma hora, e
então o fruto dos nossos labores, de nossas vigílias, dos conhecimentos adquiridos estarão para nós
perdidos para sempre, muitas vezes sem termos tido tempo de desfrutá-los.
O Espiritismo, repito, ao demonstrar, não por hipótese, mas por fatos, a existência do mundo
invisível e o futuro que nos aguarda, muda completamente o curso das idéias; dá ao homem a força moral,
a coragem e a resignação, porque não mais trabalha apenas pelo presente, mas pelo futuro; sabe que se não
gozar hoje, gozará amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo material, amplia o
domínio da ciência e, por isto mesmo, abre nova via ao progresso material. Então terá o homem uma base
sólida para o estabelecimento da ordem moral na Terra; compreenderá melhor a solidariedade que existe
entre os seres deste mundo, já que esta solidariedade se perpetua indefinidamente, a fraternidade deixa de
ser palavra vã; ela mata o egoísmo, em vez de por ele ser morta e, muito naturalmente, o homem imbuído
destas idéias a elas conformará suas leis e suas instituições sociais.
O Espiritismo conduz inevitavelmente a esta reforma. Assim, pela força das coisas, realizar-seá
revolução moral que deve transformar a Humanidade e mudar a face do mundo, e isto tão-só pelo
conhecimento de uma nova lei da Natureza, que dá outro curso às idéias, uma finalidade a esta vida, um
objetivo às aspirações do futuro, fazendo encarar as coisas de outro ponto de vista.
Se os detratores do Espiritismo – falo dos que militam pelo progresso social, dos escritores que
pregam a emancipação dos povos, a liberdade, a fraternidade e a reforma dos abusos – conhecessem as
verdadeiras tendências do Espiritismo, seu alcance e seus inevitáveis resultados, em vez de ridicularizá-lo,
como fazem, de interpor incessantemente obstáculos no seu caminho, nele vissem a mais poderosa
alavanca para chegar à destruição dos abusos que combatem, em vez de lhe serem hostis, o aclamariam
como um socorro providencial. Infelizmente, na sua maioria, crêem mais em si do que na Providência.
Mas a alavanca age sem eles e a despeito deles, e a força irresistível do Espiritismo será tanto mais bem
constatada quanto mais ele tiver de combater. Um dia dirão deles, o que não será para a sua glória, o que
eles próprios dizem dos que combateram o movimento da Terra e dos que negaram a força do vapor.
Todas as negações, todas as perseguições não impediram que estas leis naturais seguissem seu curso,
assim como os sarcasmos da incredulidade não impedirão a ação do elemento espiritual, que é, também,
uma lei da Natureza.
Considerado desta maneira, o Espiritismo perde o caráter de misticismo que lhe censuram os
detratores, justamente aqueles que menos o conhecem. Não é mais a ciência do maravilhoso e do
sobrenatural ressuscitada: é o domínio da natureza enriquecida por uma lei nova e fecunda, uma prova a
mais do poder e da sabedoria do Criador; são, enfim, os limites recuados dos conhecimentos humanos.
Tal é, em resumo, senhores, o ponto de vista sob o qual se deve encarar o Espiritismo. Nesta
circunstância, qual foi o meu papel? Nem o de inventor, nem o de criador. Vi, observei, estudei os fatos
com cuidado e perseverança; coordenei-os e lhes deduzi as conseqüências: eis toda a parte que me cabe.
Aquilo que fiz, outro poderia ter feito em meu lugar. Em tudo isto fui simples instrumento dos pontos de
vista da Providência, e dou graças a Deus e aos bons Espíritos por se terem dignado servir-se de mim. É
uma tarefa que aceitei com alegria, e da qual me esforcei por tornar-me digno, pedindo a Deus me desse as
forças necessárias para realizá-la segundo a sua santa vontade. No entanto, a tarefa é pesada, mais pesada
do que possam imaginá-la; e se tem para mim algum mérito, é que tenho a consciência de não haver
recuado perante nenhum obstáculo e nenhum sacrifício. Será a obra da minha vida até meu último dia,
porque, na presença de um objetivo tão importante, todos os interesses materiais e pessoais se apagam
como pontos diante do infinito.
Termino esta alocução, senhores, dirigindo sinceras felicitações aos nossos irmãos da Bélgica,
presentes ou ausentes, cujo zelo, devotamento e perseverança contribuíram para a implantação do
Espiritismo neste país. Estou convicto de que as sementes plantadas nos grandes centros de população,
como Bruxelas, Antuérpia, etc., não foram lançadas em solo estéril

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