Somos pais e filhos adotivos
Marcelo Tas
![Ilustração: Ricardo Gimenes](http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/foto/0,,57709343,00.jpg)
Tenho
amigos de várias idades. Já fui testemunha da transformação de muitos
deles de solteiros convictos em casados apaixonados e dedicados a seus
parceiros e parceiras. Para a grande maioria dos casais que vi surgir,
sempre observei com atenção e alegria o momento inevitável da vontade de
ter filhos. Nessa hora, algo cada vez mais comum e triste acontece. O
planejamento exigente e cuidadoso dos casais, baseados na ilusão
costumeira de que eles é que vão escolher com precisão suíça a hora da
chegada dos filhos, se transforma em frustração e ansiedade. O ciclo da
vida é um eterno mistério. O tempo, esse velho senhor da razão, não para
de colocar armadilhas e surpresas no caminho. O relógio biológico
sugere que vivamos a vida como se cada batida do coração fosse a
primeira. Mas a frase é dificílima de ser colocada em prática.
Queremos
ter o controle de tudo. Quando, por alguma razão, os filhos não chegam,
há um risco enorme de fadiga na estrutura do casamento. Nem todo casal
deve ter filhos, claro. Mas é inegável que a experiência da paternidade e
maternidade dá uma consistência especial ao casamento.
Talvez
por conta das novas demandas profissionais, o casamento e os filhos são
cada vez mais empurrados para um período mais tardio da vida. É
doloroso ver casais gastarem preciosas economias e até recursos
inexistentes em médicos e métodos de fertilidade tão incertos quanto
desgastantes, materialmente e espiritualmente. O outro lado da moeda,
compensador, é ver como a adoção passou a ser uma opção que ganha novo
valor nos dias que correm. E como correm...
Emocionado,
acompanhei o drama de um casal de amigos que, depois de um longo
processo de debate, se decidiu por adotar uma criança. Descobriram, a
duras penas, que a chegada do filho adotivo apresentava a mesma
dificuldade, senão ainda maior, que a do frustrado processo biológico. A
chegada do pequeno ser que iluminou a vida deles teve cenas de cinema.
Com direito a mergulho na burocracia selvagem e viagens arriscadas a
lugares remotos do país.
Apresentei esse mesmo casal,
sugerindo-os como consultores, a um outro casal de amigos brasileiros
que mora no exterior com o mesmo drama. Novamente, fui testemunha de
cenas comoventes e inesquecíveis. O coração deles se abrindo ao
constatar, numa visita ao Brasil, o quanto os filhos adotivos (na
ocasião já eram dois!) haviam sido incorporados e amados como filhos
pelo casal “consultor”. Apenas filhos, sem o adjetivo: adotivos.
Mais
recentemente, um outro casal de amigos adotou uma garota com 7 anos!
Pude testemunhar como, com o avançar da convivência, do afeto e das
inevitáveis crises entre eles, cada um parece ter nascido para o outro.
Tanto os “novos” pais pareciam ter recebido a encomenda perfeita para
renovar o casamento deles quanto a linda garota, já grandinha e
serelepe, ter nascido para encontrar, um dia, aqueles novos pais.
Quero
ainda registrar e agradecer a história enviada pela leitora Patrícia
Silva, de Jaguariúna (SP), que inspirou esta coluna. Depois de três
anos, e muitas incertezas, na fila do Cadastro Nacional de Adotantes,
Patrícia relata com coragem tocante a transformação da vida dela e de
seu marido, Gil, com a chegada do pequeno Nicolas. Patrícia sugere que o
assunto “adoção” seja abordado de forma mais simples e direta para
injetar coragem nos outros casais que vivem o mesmo drama dela. Concordo
100% e digo mais: penso que todos os filhos, de uma forma ou de outra,
adotam os seus pais e vice-versa. Somos todos pais e filhos adotivos.
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