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sábado, 23 de abril de 2011

Longe de mim

AMAR OS INIMIGOS


Inaldo Lacerda Lima

“Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam; orai pelos que vos perseguem e caluniam, a fim de serdes filhos de vosso Pai - que está nos céus.” Jesus, (MATEUS, 5: 44-45.)
Como amar um inimigo? Conforme o texto de Lucas (23:34) amou Jesus a todos aqueles que o perseguiram, caluniaram e cheios de ódio exigiram a sua condenação, que efetivamente se cumpriu. Eis o testemunho de Lucas: "E, quando chegaram ao lugar chamado a caveira, ali o crucificaram, e aos malfeitores, um à sua direita e outro à esquerda. E disse Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem."
Aí está o exemplo do Cristo, no auge do martírio: "Pai, perdoa-lhes…" reconhecendo que não sabiam o que lhe faziam. Eis que o Senhor leva-lhes em conta a ignorância: não sabem o que fazem. O que existia neles era maldade mesmo. Além de o matar, quiseram humilhar o Cristo, crucificando-o entre ladrões e homicidas. Mesmo assim, o Mestre ergue a voz na direção do Céu e os perdoa a todos. Eram sacerdotes, eram fariseus, eram doutores da lei. E, no entanto, não sabiam o que estavam fazendo, porque dominados pelo ódio, o terrível gigante da alma a que já nos referimos numa outra parte desta série, citando o professor Mira y Lopez. Mais tarde, durante toda a Idade Média, a maldade se repete, quando continuaram torturando e matando, sempre com requintes de perversidade, isto é, queimando vivos os que lhes caíam em desgraça. E, naturalmente, consoante o espírito do Cristianismo, suas vítimas persistiram rogando ao Pai perdão para seus algozes. Mas será que eles, os novos doutores da lei, continuavam sem saber o que faziam? Sim, de certo! E muitos, ainda hoje, se julgam injustiçados pela própria História!…
Há alguns anos, caiu-nos nas mãos um livro de um autor para nós desconhecido, intitulado "Os Papas na Idade Média", de Geoffrey Barraclough, editado em Lisboa pela Editorial Verbo. E pensamos: deve ser interessante conhecermos a história da Igreja de Roma, porquanto pode existir aí um mundo de informações importantes, dado que se tratava do último volume de uma série intitulada "História Ilustrada da Europa". E de fato não nos enganamos. Apenas indagamos a nossa consciência sobre a razão pela qual tivéramos de ler tal livro.
Esse livro nos permitiu compreender certos fatos de um período trevoso da história da Humanidade e entender cada vez mais e melhor a conduta de Jesus ao expressar-se: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem."
Somente com o Espiritismo se nos revelou o verdadeiro sentido das palavras do divino Amigo. Delas têm zombado os homens por não lhes permitir o estágio evolutivo em que se encontram - mormente na Idade Média - a interpretar o verdadeiro sentido das palavras de Jesus, que não pretendeu, segundo Kardec, "que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança (…)."
Esclarece, ainda, o Codificador que amar os inimigos não é ter por eles uma afeição que não está na Natureza. Consiste tal amor em não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança.
Eis como nos adverte o Cristo, em seu Evangelho: "Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai não perdoará as vossas" (Mateus, 6:15). E ficamos a meditar, ainda uma vez, no que dissemos acima em relação ao período de trevas da Idade Média, quando os tribunais daquele chamado santo ofício se reuniam para condenar seres humanos à morte nas fogueiras, e em nome de Deus. Tudo em contradição com os ensinos de Jesus!
Incontestável é a sabedoria e a autoridade do Cristo, não obstante em contradição com o espírito de ódio e vingança que parece reger toda a conduta do chamado povo de Deus. Vale acentuar, ainda, o encontro do Mestre com a mulher cananéia ou cananeiana de que nos falam os evangelistas Mateus (15:21-28) e Marcos (7:24-30), que desejava a cura de sua filha possessa de um Espírito mau. E o Cristo encontra nela a oportunidade para mais uma lição aos judeus e à Humanidade futura de modo geral. Ele lhe nega o pedido, explicando a ela não ser justo dar aos cães o pão destinado aos filhos. E diante da resposta que ela lhe dá, naturalmente inspirada, o Mestre se maravilha e responde: "Mulher, grande é a tua fé: seja-te feito conforme desejas!" E no mesmo instante ficou-lhe curada a filha. E os judeus presentes não encontraram razão para censurá-lo, mesmo tendo ele dado a todos testemunho de que não ignorava a procedência daquela mulher.
Tudo o que pretendemos, neste estudo, é justificar a preocupação de Jesus com o amor aos nossos inimigos.
Nossas referências à ação má e perversa dos detentores do poder secular, na Idade Medieval, e à ação beligerante e vingativa do chamado povo de Deus na era recuada de sua história, tem como objetivo lembrar aos atuais trabalhadores da última hora - vivendo, hoje, sob as luzes do Consolador - que, em nós, a indumentária personalística atual bem pode estar substituindo a indumentária brutal ou estúpida do homem atrasado de ontem.
Amar os inimigos, os que nos feriram ou ferirem, os que nos perseguiram ou perseguirem, os que nos caluniaram ou caluniarem não é coisa impossível, já não é fardo tão pesado se, no exercitamento do Evangelho, nós reconhecermos efetiva e sinceramente, não apenas o preço (que nos pareça dor) mas o caminho e o portal de nossa libertação, que tem o sabor da glória!
Se estivermos, cientes, pela fé apoiada na razão, que Deus, nosso Pai, nunca permitirá que soframos o que não merecermos sofrer, não nos será difícil entender que o inimigo de hoje poderá estar representando o inimigo que ontem fomos de alguém, a quem devemos ter machucado seriamente.
Amar os inimigos não é ir ao encontro deles, abraçá-los e beijá-los. Amar os nossos inimigos, se os tivermos, ainda que supostamente gratuitos, é jamais lhes guardar ódio, é perdoá-los sem pensamento ou intenções ocultas, é nunca lhes opor obstáculo à reconciliação, desejando-lhes sempre o bem e até vibrarmos de contentamento, quando formos informados de um grande bem que lhes advenha; numa palavra, não guardarmos contra eles qualquer ressentimento.
Sempre que nos surpreendermos na emissão natural ou espontânea de um pensamento de amor, em favor de alguém que haja procedido mal para conosco, estaremos recolhendo, aí, o testemunho de um coração em processo de espiritualização. Que isto ocorra com todos nós.
Se porventura tivermos dúvida a respeito do vigor da Doutrina Espírita dentro de nós, de que modo conseguiremos dirimir tão amarga incerteza?
Bastará que consultemos a consciência, na intimidade de uma meditação para a qual roguemos a presença do divino Amigo de nossas almas. Diz-nos Kardec que "aquele que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior de adiantamento moral"¹. Mas, já estará isento da influência solerte da vaidade que não suporta censura e das paixões que incitam o ódio? Mais adiante, e no mesmo parágrafo daquele item 4, que se refere a Os bons espíritas, conclui o sábio lionês:
"Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más."
. “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Rio de Janeiro, 112ª edicão, FEB, 1996, cap. XVII, item 4.

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