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sábado, 23 de abril de 2011

Conto - A FICHA - Humberto de Campos

A FICHA (Irmão X)

João Mateus, distindo pregador do Evangelho, na noite em que atingiu meio século de idade no corpo físico, depois de orar enternecidamente com os amigos, foi deitar-se para um merecido descanso. Sonhou que alcançava as portas da Vida Espiritual e, deslumbrado com a leveza de que se via possuído, intentava alçar-se, para melhor desfrutar a excelsitude do Paraíso, quando um funcionário de Passagem Celeste se aproximou, a lembrar-lhe solícito: -"João, para evitar qualquer surpresa desagradável no avanço, convém uma vista d’olhos em sua ficha…" E o viajante recebeu primoroso documento, em cuja face leu, espantadiço: João Mateus, renascimento na Terra em 1.904. Berço manso, pais carinhosos e amigos, inteligência preciosa. Cérebro claro. Instrução dígna. Bons livros; juventude folgada, boa saúde, invejável noção de conforto. Sono calmo, excelente apetite, seguro abrigo doméstico, constante proteção espiritual. Nunca sofreu acidentes de importância. Aos 20 anos de idade, empregou-se no comércio. Casou-se aos 25 anos, em regime de escravização da mulher. Católico romano até os 26. Presenciou, sem maior atenção, 672 missas. Aos 27 anos de idade, transferiu-se para as fileiras espíritas. Compareceu a 2.195 sessões de Espiritismo, sob a invocação de Jeus. Realizou 1.602 palestras e pregações doutrinárias. Escreve cartas e páginas comoventes. Notável narrador, polemista cauteloso. Quatro filhos, boa mesa em casa. Não encontra tempo para auxiliar os filhos na procura do Cristo. Efetuou 106 viagens de repouso e distração. Grande intolerância para com os vizinhos. Refratário a qualquer mudança de hábitos para a prestação de serviços aos outros. Nunca percebe se ofende ao próximo, através de sua conduta, mas revela extrema suscetibilidade ante a conduta alheia. Relaciona-se tão somente com amigos do mesmo nível. Sofre o horror às complicações da vida social, embora destaque incessantemente o imperativo da fraternidade entre os homens. Sabe defender-se com esmero em qualquer problema difícil. Além dos recursos naturais que lhe renderam respeitável posição e expressivo reconforto doméstico, sob o constante amparo de Jesus, através de múltiplos mensageiros, conserva bens imóveis no valor de R$600.000,00 e guarda em conta de lucro particular a importância de R$302.000,00. Para Jesus, que o procurou na pessoa de mendigos, de necessitados e doentes, deu durante toda a vida R$0,90 centavos. Para cooperar no apostolado do Cristo, já ofereceu R$12,00 em obras de assistência social. Débito… Quando ia ler o item referente às próprias dívidas, fortemente impressionado, João acordou. Era manhãzinha. À noite, bem humorado, reuniu-se aos companheiros, relatando-lhes a corrência. Estava transformado, dizia. O sonho modificara-lhe o modo de pensar. Consagrar-se-ia doravante ao trabalho mais vivo, no movimento espírita. Pretendia renovar-se por dentro; reuniria agora palavra e ação… Para isso, achava-se disposto a colaborar substancialmente na construção de um lar, destinado à recuperação de crianças desabrigadas que, desde muito desejava socorrer. A experiência daquela noite inesquecível era, decerto, um aviso precioso. E, sorridente, despediu-se dos irmãos de ideal, solicitando-lhes no reencontro para o dia seguinte. Esperava assentar as bases da obra que se propunha levar a efeito. Contudo, na noite imediata, quando os amigos lhe bateram à porta, vitimado por um acidente das coronárias, João Mateus estava morto. (psicografia de Francisco Cândido Xavier)

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